12/02/2008

a mulher que não se lembrava de nada

Não terá mais de metro e meio, menos de cinquenta quilos, e o cabelo penteado em copa, num tom acobreado que lhe esconde as brancas e a vergonha de ali estar, a olhar de baixo. Tão inesperadamente bêbada, que se espetara contra uma árvore, nos idos de uma destas madrugadas. Não me lembro de nada. Recusara-se a soprar o balão e atingira a dignidade dos agentes, homens com a sensibilidade de meninas, arremessando-lhes injúrias e impropérios vários. Aos costumes, que foi casada com um homem durante doze anos, mas há dez que vive com um rapaz. Há um tom de triunfo neste rapaz, de triunfo sobre a velhice que lhe assenta nas pálpebras como pó. É empregada de limpeza e pede desculpa ao polícia-menina, um homem de metro e noventa que diz ter sido difícil algemá-la porque estava violenta, foram precisos dois colegas. Apesar de limpar chãos todo o dia, vê-se que não consegue sacudir a velhice-pó das pálpebras e que nem o seu rapaz a pode salvar. Não me lembro de nada. O ar triste da mulher enche a sala, encurvando a mobília. Do que quer que se lembre, já é demais.