A Andreia Vanessa, testemunha do negociante
de amêijoas, um homem gordo e suado, entra na sala com enormes mamas falsas,
cintura de vespa, top pelo esterno, decote para maiores de vinte e um, cabelo
oxigenado e unhas de gel dourado, quase
do tamanho dos dedos. Perguntada, diz que “não tem profissão” e, quanto ao
estado civil, que é casada com o arguido. Jura dizer a verdade e nada mais que
a verdade, com uma voz lânguida de quem
acabou satisfeita e se prepara para acender um cigarro, ainda embrulhada nos
lençóis. Arma pesada da defesa, portanto. Bem mais pesada do que a seis trinta
e cinco de cuja posse o negociante está a ser acusado. Enquanto a testosterona
judicial esvoaça pela sala e aterra em queda livre nos implantes suburbanos, a
guerra entre a procuradora e a advogada mantém-se acesa, ambas bem focadas nos
seus propósitos. A primeira sabe que já perdeu, porque nunca teve prova, e até
poderia estar-se nas tintas e limitar-se a pedir a costumada justiça, mas os
sucessivos requerimentos, excessos de zelo e arrogância da outra, despertaram-lhe
o brio e, qual espártaco ferido perante crasso, lá vai dando as suas facadas, mesmo
sabendo-se derrotada. O juiz, intimidado
com tanto arremesso feminil, compõe à pressa um ar sério, indiferente aos argumentos explosivos
da “esposa” do ameijoeiro e assistindo impávido à batalha campal. A procuradora
às tantas capitula, que aquilo já são horas de almoçar, enjoada com o
exibicionismo da advogada e as pavorosas excrescências nas unhas da Andreia
Vanessa. O arguido mantém-se cabisbaixo e ela sabe-o, no fundo,
inocente. Tão inocente que, quando a mulher, bem ensinada e com voz de cama,
afirma que no escritório “andava tudo à vontade, toda a gente entrava e saía,
entrava e saía…”, a perversidade dispara na sala e a procuradora quase que vê
duas ligeiras protuberâncias a despontar na testa suada do pobre homem. Corno manso, pensa para si, enquanto sorri
de mona lisa. Ele há muitas maneiras de ganhar.